terça-feira, 2 de setembro de 2008

Manecão na Prisão



Era uma tarde de quinta-feira na Universidade e o Reitor tinha viajado. Eu cumpria o meu papel de Vice e respondia pela administração da instituição, dentro dos limites estatutários e regimentais, para dizer bonito. De um momento pra outro, chegam os meus agentes tupiniquins disfarçados e trazem uma informação bombástica: “Aproxima-se uma manifestação dos ‘Sem Teto’ e o destino é a Reitoria, cuja invasão é inevitável.”. Confesso que tremi nas bases. Lembrei de certo Reitor que ficou durante bom tempo refém dos estudantes, trancado numa sala, sem água e sem comida. Com a minha claustrofobia, fruto de alguns minutos preso num elevador, quando tentava chegar a um andar qualquer de um prédio no centro da cidade, em companhia de minha tia e madrinha Lola, estava suspenso nos ares. O medo e o pavor se alternavam.
Solicitei, de logo, um rádio e passei a acompanhar a evolução da passeata, liderada, aliás, por um padre e um determinado político presente agora nas imagens da propaganda eleitoral. Liguei para a Policia Federal e passei a ser orientado por uma delegada, a qual, para a minha tranqüilidade de espírito e a minha quase paz emocional, mandou que saísse do prédio e fosse negociar lá fora com os invasores. Ao mesmo tempo em que providenciava a presença do Batalhão de Choque. Chegaram os soldados e se posicionaram no estacionamento, no interior de um veículo apropriado, enquanto o tenente acompanhava os fatos próximo de mim. De uma hora para outra despontaram os “Sem Teto”, gritando palavras de ordem e frases de efeito.
Diante de mim, a autoridade mais importante – Valha-me Deus! – presente no lugar, passaram a pronunciar os impropérios que queriam e bem entendiam. O menor de todos foi o de “Burguês safado!”. Diziam que a Universidade dispunha de terrenos à vontade e eles sem casa para morar, sem teto para viver e sem dignidade para sobreviver. Eu respondia com toda a calma do mundo. Expressava a minha solidariedade com o movimento, falava de meu compromisso social, mas lamentava não ter como atendê-los, haja vista a situação peculiar dos terrenos públicos, destinados à academia e impossíveis de qualquer cessão a outra finalidade que fosse. Os ânimos foram se agravando e em certo momento o político de dedo em riste, diante de meu nariz, gritava: “Burguês safado! Aproveitador da coisa pública! Latifundiário!”. E por ai vai!
Decidiram invadir o prédio e subiram ao Gabinete do Reitor. Quebraram o que quiseram e estragaram o que puderam. O jovem tenente deu ordens à tropa para que se posicionasse e aguardava a minha autorização para expulsá-los de lá. Junto de mim, quase aos cochichos, verbalizava o oficial: “Não sei como o senhor agüentou tanta coisa! Por menos que isso eu teria reagido e esmurrado o homem!”. Mas, se eu reagisse, seria interpretado de forma completamente diferente. Afinal, eu estava protegido pela policia e ao menor sinal de afoiteza maior estariam todos presos. Depois da baderna desceram e acharam que iam sair dali impunes. A Polícia Federal, então, decidiu diferente e eu fui comunicado: “Vamos prender Manecão (nome fictício)!”. E eu concordei de pronto. Não era possível tanta desordem sem uma punição.
E o Manecão (nome fictício) foi recolhido ao Presídio Aníbal Bruno, onde ficou em cela apinhada de gente. Daí por diante, porém, passaram a brincar comigo na Reitoria, dizendo que ele não vinha tendo assistência alguma dos companheiros e cabia a mim visitá-lo, levando presentes e alimento de boa procedência. Era o que faltava, respondia, depois dessa encrenca toda, visitar o malfeitor na prisão! Eles quebraram o mobiliário todo ou quase todo, espatifaram uma porta de vidro, do tipo blindex e só não fizeram mais porque nós não seguimos o grupo para uma tentativa, por certo que vã, de conter a ira desmedida e a exagerada raiva.

Não éramos e não somos os responsáveis pelo estado de coisas. A moradia vem sendo negada às classes menos favorecidas a centenas de anos, na distância social que se implantou neste País continental.