domingo, 4 de outubro de 2009

Pássaro Triste

Era um homem de meia idade, todo vestido de branco, parecia um médico, até o sapato tinha a mesma cor, a da camisa e a da calça, chegou no boxe do queijo e pediu: “Um queijo de coalho com sal, velho e curtido”. O vendedor e imagino que dono do estabelecimento comercial, respondeu sem mais delongas: “Só tenho queijo novo”. Ficou resmungando dois ou três minutos: “Cada qual com sua mania”. Ora, comprasse o produto ainda novo, levasse pra casa e deixasse ao sol, assim curtiria o queijo e comeria a seu gosto, complementou, na ranzinzice de seu gênio. Mas, não fui ao mercado público para chafurdar a vida alheia, tinha ido – isso sim! – comprar a cabidela do almoço e trouxe pra casa um frango grande, pesado e com aparência de macio, que alimentou a família inteira. Pedi uma galinha caipira, da qual gosto que me enrosco, mas não havia. Tinha uma matriz, enorme e dura. Uma ave com jeito de mulher, tal a aparência ou tal a feminilidade.
Aprecio o ambiente do mercado e vez ou outra tomo por lá um café da manhã, a titulo de desjejum, no qual vem a macaxeira cozida, fumaçando e a carne boi cozida. Pode-se escolher, à vontade do freguês, a charque ou a carne de sol, o cuscuz ou o cará. Sentado à mesa compreendo um pouco do tudo que se passa por ali. O papel do vagabundo que se levanta logo cedo do banco da praça e lava a boca na torneira de uso comum, toma os primeiros goles d’água e vai degustar a lapada inicial do dia, a aguardente pura, da qual tira a parte do santo, como se santo bebesse. No banco do balcão do restaurante, tosco e rude, conta o que pôde amealhar no ontem dos tempos e pede um café, também, até onde pode com suas economias de um cotidiano ameaçado. Volta à praça e vai preencher com o nada das coisas a sua manhã e a sua tarde, pra novamente deitar-se no banco de madeira dura.
Alguns conhecidos e muitos desconhecidos fazem a feira das verduras e das frutas, o sábado tem essa cara. A do tomate e a da cenoura, a do chuchu e a do maxixe, a do jerimum e a do quiabo. O feijão verde debulhado na hora serve de complemento à galinha de cabidela, a manga adorna o prato e faz a festa, o suco e o degustar solene da polpa que mancha de amarelo a boca do penitente e deixa tingidas as mãos e as unhas. Para terminar tudo, só um doce de goiaba em barra, desses crocantes, bem açucarados; doce de goiaba em barra com farinha do pote, branquinha, branquinha. Tudo isso me agrada porque desde muito cedo ia à feira de Santo Amaro das Salinas com a minha mãe, voltando com o homem do balaio, cognominado pelo meu pai de “Pássaro Triste”, pelo semblante inocente e amargo da criatura. Eu andava barraca por barraca, apreciando de um tudo e parava naquela dos carrinhos de madeira, admirando o artesanato que tanto me encantava.
Nunca mais encontrei uma feira assim, com aquela barraca de miudezas, na qual se via dependurado o rapa-coco e a grelha, o vasculhador e o espanador. Em cujas prateleiras estavam bem acondicionados carrinhos de madeira bem cuidados, caminhões acabados com o flandre dos contornos e até ônibus, sopas à época que transportavam gente e bicho, bicho e gente.
(*) - Crônica de meu domingo em paz, do dia de meu aniversário (4 de outubro), com poucos telefonemas e muitos abraços. O texto vai oferecido a Paulo Jardel, a Ricardo Moreira e a João Trindade, bons amigos de meus dias: irmãos/camaradas.