sexta-feira, 11 de abril de 2008

A Normalista Linda

Sou do tempo do gasômetro e do bonde elétrico, do telefone cônico no ouvido e do largo bocal voltado às palavras de um interlocutor qualquer, que aos gritos deixava a sua mensagem, sem as sofisticações do hoje. Das ligações para Boa Viagem intermediadas pela telefonista, atenciosa sempre, do Serviço de Informações Gerais - o SIG -, cujo número gravei na memória (3011) e para o qual ligávamos, todos, à cata dos melhores filmes e das localizações urbanas das ruas e das avenidas, dos becos e das vielas ou à procura de uma conversa fiada assim, com a moça da empresa. E a resposta vinha antecedida por um comercial, chamado de reclame ao tempo: "Num presente exclusivo das Pílulas de Vida do Doutor Rossi, o cinema São Luiz exibe nesta tarde o desenho animado de Walter Disney: Peter Pan!". Mas, alertava a minha mãe, sempre, se alguém ligar e fizer uma pergunta - "Rins doentes?" -, não esqueça de responder: "Tome Urudonal e viva contente!". Havia prêmios, dizia ela, para quem acertasse! Nunca ouvi a indagação e muito menos conheci as benesses resultantes!

Ou sou do tempo em que o sabonete Phebo oferecia uma casa a quem fizesse uso do produto, trazendo escondida, nessas intimidades saponáceas, uma chave. Todos, então, cuidavam em passar no corpo, mais e mais, aquele escorregadio pretume, para encontrar a salvação da família inteira. Nunca soube, também, de penitente aquinhoado, brindado com essa riqueza, a da casa própria. Vez ou outra, todavia, a marca Lever vinha à tona, o sabonete das estrelas, para que se pudesse cumprir o desiderato do devaneio, fantasiando-se no imaginário pueril Brigitte Bardot tomando um delicioso banho na Riviera Francesa. Quem colecionasse tampinhas de Coca-Cola podia ganhar um carro da marca Skoda ou geladeiras em quantidade. Uma dessas tampinhas, entretanto, tornou-se de tal forma difícil, que virou apelido de quem se julgava importante: G15. Até as marcas de sorvete agradavam ao consumidor, expondo nos palitos o direito a mais um picolé, Daqui, por exemplo, com o gostoso Tatá ou com o Saía-e-Blusa.

Na soverteria Xaxá, nos começos da rua Bispo Cardoso Ayres, a rapaziada do Nóbrega fazia ponto, para assistir o desfile das moças do Colégio Eucarístico, de branco e encarnado, escuro e carregado ou para saborear o maracujá e o cajá virados em gelo de bom paladar. Lá pras bandas da rua do Príncipe, esquina com a Afonso Pena, partiam as meninas do Colégio Arquidiocesano de volta ao lar paterno, primeiro e derradeiro abrigo, na voz do poeta: “Vestida de azul e branco/Trazendo um sorriso franco...” ou como está no mesmo cancioneiro Mas, a normalista linda/Não pode casar ainda/Só depois que se formar..." Gente assim, bonita e faceira, de pele estirada, no viço da idade, de protundentes formas, preferentemente, tagarelando conversa! Saias rodadas, mesmo que plissadas ao rigor do ferro quente, dando graça ao requebrado das ancas, engrandecendo movimentos de lateralidade explícita! Muitos amores nasceram nesse lero-lero das coisas, de um flerte qualquer no meio da rua ou no passeio e muitas dores ficaram nos ares, como evanescentes ardores dos começos!

O conquistador desvairado, entretanto, acomodado em seu Mustang, da cor do sangue, tirou de tantos o gosto da sedução, rodando a chave do carro no indicador da direita, nas alamedas do parque ou nas festas das igrejas. Aniquilou desejos que se encorparam pras bandas do novo edifício, o Vitória Régia, tomando de assalto a musa daquele prédio, Agnes de prenome! Encantou a gregos e a troianos – ela, a musa –, mas desencantou vontades, menos a do padre, cuja batina dormia no convento e ele nos sedutores braços de Agnes, aquela santa mulher de minha rua!

(*) - Uma crônica que se vai assim, na roda dos anos ou que se esvai no tempo vencido, ido e vivido.