domingo, 7 de setembro de 2008

Três em Um

As festas de formatura se transformaram em eventos explorados por empresas especializadas, as quais ditam ou ditavam as normas que bem entendem. Eu estava, então, presidindo uma solenidade assim, de colação de grau e os seguranças da organização cuidavam em proibir que os convidados - parentes e amigos – fotografassem os concluintes e seus padrinhos. Ora, não tenho nada a ver com o compromisso daqueles que pagaram pelo serviço, mas não podia admitir que a liberdade dos outros, certamente fora da lista dos que se comprometeram com a empresa, fosse cerceada dessa forma. Solicitei que se afastassem e que não se envolvessem com aqueles que atenderam aos convites dos formandos. Foi preciso suspender a solenidade e esperar a retirada do recinto dos truculentos cumpridores de tão nefandas ordens.
Um desses parecia um guarda-roupa, de tão forte. Do auditório ele me olhava de forma fixa e eu já estava meio desconfiado, talvez possa dizer que meio amedrontado. Mas, cumpria, apenas, o meu dever, o de assegurar a liberdade a todos e a todas. Na saída, porém, o dito senhor me acompanhou de longe e em dado momento passou a me chamar: “Dr Geraldo! Dr. Geraldo!”. Não havia outro jeito senão parar e aguardar a trombada: “O senhor não está me conhecendo? Eu vendia livro no Hospital das Clínicas e nos encontrávamos todos os dias”. Realmente, identifiquei a figura e fomos andando juntos. Ele pedia desculpas e se justificava dizendo que cumpria ordens, somente. Entretanto, cedera assim que eu reclamara, pela consideração que sempre me dispensou. Rimos às bandeiras despregadas com os casos passados e é disso que vou tratar.
Era um homenzarrão, mas um inocente de pai e de mãe. Acreditava em tudo e em todos e eu fiz poucas e boas com ele. Certa vez liguei de um telefone interno para outro e mudando um pouco a voz disse que era um médico de Caruaru e que a minha filha tinha feito uma compra e na ocasião recebera uma cantada chula. A questão era de assédio sexual e eu, na condição de pai eventual, não admitia isso. A criatura quase morre de aperreio, negando o fato e dizendo que não era disso, que tinha o maior respeito pelas estudantes de medicina, clientes dos seus livros e das suas revistas. Um rolo! O diálogo terminou com o dito pelo não dito. Voltei da outra sala e ele me contou tudo. Falou de sua inquietude e da preocupação que lhe assaltava. Depois de uma boa risada, confessei a brincadeira.
O pior, entretanto, foi ter sido procurado por ele depois de largado pela mulher. Estava em pandarecos, abandonado e solitário. De mais a mais, porque fora um caso de traição, do envolvimento de um terceiro na relação. O camarada ganhara a esposa dele, com filho e tudo, deixando-lhe desesperado. Um horror! Dei por lá uns conselhos e aguardei o desfecho. No outro dia voltou para nova conversa e confessou: “É o seguinte! Ela só volta se eu comprar um conjunto de som três em um!”. Quem já viu isso? Eu aproveitei a deixa e fiz uma gozação maior do mundo: “Não! Você pode comprar uma radiola! Mas, três em um de forma alguma!”. Não havia uma justificativa plausível para isso, mas era para mexer com ele. Ele, todavia adquiriu o equipamento e o fez em várias prestações mensais. A mulher voltou e depois sumiu outra vez.
E ele voltou a fiar conversa comigo: “Não adiantou comprar o três em um, ela desapareceu outra vez! E levou o som que eu ainda estou pagando.” Naquele noite, no Centro de Convenções perguntei pela mulher e pelo conjunto. Perdeu tudo! Nada mais tem, sequer um aparelho em que ouça a sonoridade sofrida dos amantes abandonados, largados.