terça-feira, 29 de maio de 2012

Leste Europeu

Fiz a viagem de meus sonhos: fui ao Leste Europeu. Fui ver, com os meus próprios olhos, as cidades que tendo sido incluídas no Bloco soviético durante muito tempo, com a queda do muro de Berlim readquiriram a autonomia administrativa e a vida da comunidade, como dantes. Voltei perplexo com a recuperação dos espaços, sobretudo os espaços públicos. Depois fiz um cruzeiro marítimo pelo Mar do Norte, entrando no Báltico e ali pude, da mesma forma, apreciar a vida, num vaivém constante, de outras cidades e outros países. Mas, houve uma ocasião em que pude escrever e transcrevo abaixo as minhas palavras com emoção; emoção quase poética.

“Nesta viagem, ocupando boa parte do mês de maio, num momento qualquer de uma manhã de pouco sol, sento-me no nono deck do navio. Do navio que completa, com as visitas que fiz a várias cidades do Norte da Europa, a reciclagem cultural a que me propus, por este Velho Mundo de todas as antiguidades. Antiguidades, algumas, que remontam à Idade Média, ao tempo do inteiramente medieval, antes que o Renascimento aflorasse e trouxesse o acender das luzes. É o que tenho visto, cantos e recantos que evocam os ancestrais de toda gente; ancestrais posteriores à migração da África. Negros desbotados e por isso mesmo esbranquiçados. Impressionou-me muito aquela taverna incrustada num velho edifício; medieval taverna dos homens de agora.”

Há o que dizer mais do geral, do que me impressionou vivamente. O regime desapareceu, a liberdade voltou a existir, mas a vida e seu dia a dia complicou-se. A gente daquelas paragens comunistas ganhava mal, porém tinha assegurada a saúde, a educação e a moradia. Moradia, observe-se de logo, que São Petersburgo continua a contar com apartamentos apinhados, nos quais há pelo menos cinco familias, cada uma num aposento, com cinco fogões e cinco geladeiras. Imagine as querelas de um cotidiano assim conturbado. A grande verdade é que inquiridos os “guias” sobre a possibilidade de volta do regime comunista, nenhum optou por esse retorno. Ao que parece o socialismo marxista, uma utopia nascida do confronto com o capitalismo, mesmo que selvagem, está falido.

O transporte público é uma beleza, evitando muito dos engarrafamentos e são pouquíssimos os que se utilizam de automóveis. Um veículo comum em todo o Leste, bem como no Norte, é o bonde, quase aquele que tivemos aqui em tempos aúreos. São importantes meios para o deslocamento do povo. Vi muita gente de bicicleta, acima e abaio, numa velocidade que às vezes assusta. Mas, interessante, foi ter visto na Dinamarca, que é uma Monarquia e nada teve com a chamada Cortina de Ferro, que no Parlamento estavam estacionadas as bicicletas dos parlamentares. Fiquei perplexo com isso. Explicou a nossa “guia” que é comum encontrar o Rei ou a Rainha dirigindo o automóvel ou circulando de bicicleta. Ai, fiquei me perguntando, por que estranhavam o nosso Imperador Pedro I conduzir a sua carrugem?



sexta-feira, 4 de maio de 2012

Reflexões do antes de uma viagem

Hoje é sexta-feira, dia 4 de maio e eu estou me preparando para viajar no dia de amanhã, ai pelas 22 horas, ao Leste Europeu. Uma verdadeira reciclagem cultural por esses países que foram comunistas no passado, pelo menos alguns, mas que saíram do regime totalitário e ainda guardam tradições de um ontem que antecedeu os tempos da ideologia hoje superada, a não ser por Cuba e pela China, Coréia do Norte também, que continuam arraigados ao totalitarismo. Outros não, como a Holanda, que não viu a dureza das botas. Isso tem me levado a algumas reflexões; algumas que são apenas das lembranças, mas outras não, giram em torno de certos valores, sobretudo os de caráter político.

Recordações eu as tenho da viagem de Andrade Lima Filho à Rússia e a boina que trouxe para meu pai em seu retorno. Uma boina vermelha, aveludada, pequena, como se os russos tivessem sempre as cabeças minúsculas. Não precisa dizer que o meu pai não quis usar o adereço e não havia mesmo frio pra isso. Eu me apossei do objeto, andando, acima e abaixo, com aquela cobertura vermelha e algo bordada. Os meus amigos de infância, admirados com aquilo, indagavam de onde viera e à resposta ficavam perplexos. Acho que Andrade Lima Filho amargou prisão por aqui, detido pela ditadura militar. Mas, nunca perdeu o bom humor, nem doente, vitima de um câncer. Me dizia: “Estou com um caranguejo na barriga!”. E gargalhava!

Mas soube de uma figura proeminente na ciência brasileira, convidada a visitar a União Soviética, recebeu a recomendação explicita de não sair à noite. Foi o mesmo que dizer: "Á noite o senhor pode sair à vontade!". E o homem, que não regulava bem do juizo, em que pese a inteligência, largou-se a passear na fria noite de Moscou. Foi à Praça Vermelha. Um agente acompanhava tudo e pela manhã, já no outro dia, perguntaram-lhe: "O que foi fazer à noite?". E ele, como se não tivesse feito nada diferente: "Fui apenas passear!". E o deportaram de volta, sem delongas.

Mas, sobre quem foi preso e quem não foi: afinal se soube de Fernando Santa Cruz. Era filho de um homem santo, Lincoln Santa Cruz Oliveira, médico, meu primeiro chefe no Centro de Saúde Gouveia de Barros. Ora, um policial aposentado, transformado em pastor evangélico, arrependido (Será?), resolveu dizer tudo. Queimaram o homem num forno de uma usina. Uma coisa horrorosa! Bárbara! Tudo para que não ficasse pedra sobre pedra. E aquele pai, meu padrinho de casamento, nunca tirou esse filho da cabeça. A mãe ainda mais, viveu para saber desse destino cruel. Essa gente nova, idealista, desejando dias melhores para todos, tantas vezes paga assim, com a vida, porque do outro lado há tresloucados que não se contentam em vencer a refrega. Têm que matar e matar!

O interessante – nisso vai a segunda reflexão – é que nem sempre os lados são conservados como tal. Lembro de um colega de faculdade, da esquerda festiva ao tempo, que ao terminar o curso foi engajado na vida militar e virou a casaca completamente. Outro, amigo de rua, nomeado para a previdência da época, com o barulho nas ruas adotou uma posição completamente diferente da anterior, virou para a direita e continuou trabalhando. Já morreu, coitado, vítima do vício que inebria o espírito e maltrata o corpo. Já vi gente tocar ao piano uma toada de certo político e depois ter o dissabor – ou a satisfação – de vê-lo em partido contrário, com ideologia completamente diversa. Por essas e por outras eu não tenho vinculação partidária alguma. Tudo o que fiz foi por mérito meu, galgando os degraus da universidade sem que por mim ninguém pedisse. E hoje sou Professor Emérito. Valeu!

(*) - Um texto que ofereço à família Santa Cruz Oliveira, maltratada tantas vezes. Que Deus do céu olhe pra eles e os abençoe, dando-lhes a paz de tanto necessitam. Que o nosso Lincoln fique em paz na enormidade das brumas celestiais, em companhia de seu filho Fernando. Que a mãe, também, minha madrinha de casamento, tenha a almejada paz. O texto é transmitido, também, pelo jornal virtural A Besta Fubana.