sábado, 4 de setembro de 2010

Um Domingo no Recife

Os antigos domingos do Recife eram diferentes, em muito, desses de hoje! Não havia "self-service", pelo menos! Dia de se juntar a família e de se fiar conversa com a parentada toda, atualizando a temática do, apenas, mundano. Tempo de parar e rever, na paróquia do bairro ou na matriz do centro, os pecados da semana, um a um contados ao cura, da forma mais cochichada possível, contanto que não se pudesse ouvir da fila as faltas e as falhas. A penitência, também, determinada pela gravidade dos pensamentos, das palavras e das obras! Intervalo sabático para se fazer a leitura mais do que demorada dos jornais, com especial atenção ao caderno literário e aos fatos do esporte. O Santa Cruz jogando, ainda, com: "Jorge de Castro/Aldemar e Edinho". Momento reservado ao almoço diferenciado, da galinha de cabidela ainda não vulgarizada, selecionada no terreiro de casa, dentre aquelas fora da postura e do choco, servida à mesa com sangria de bom vinho.

Quando o dia amanhecia, ouvia-se, de todo lado, o repicar seguido dos sinos da cidade, um aqui e outro ali, alhures, também, chamando os fiéis, que, às vezes, eram mais do que infiéis, para a Missa. De casa, um périplo saia às ruas! Os meninos e as meninas à frente, para serem vistos pelos pais, mais atrás e finalmente, naquele séquito que antecedia a liturgia e o rito, os avós e as tias, lentamente, como andam, ainda hoje, os velhos, bem velhos. Na igreja, era preciso ocupar mais de um banco pra caber tanta gente! Os filhos, todavia, ficavam sob o rigoroso cuidado do pai e da mãe, metade pra cada um, com o objetivo de aprenderem, adequadamente, o comportamento durante o ato de canônica liturgia. Nas passagens de maior significado, a constelação parental se ajoelhava, menos a avó e a tia velha, dispensadas pelo monsenhor, Camareiro Papal que era, do sacrifício dessa posição respeitosa. E cada qual portava um livro de orações, mais ou menos volumoso, a depender da idade. Todos, igualmente, traziam o terço, poucos, porém, se ocupavam com os mistérios, gozosos e dolorosos.

O resto da manhã de domingo era preenchido, quase sempre, por um filme, no São Luiz ou no Moderno, a cuja sessão, mesmo que matinal, obrigava-se o paletó e a gravata para os rapazes. E não era muito raro pedir ao um amigo, emprestada, uma peça assim, de roupa, para compor a indumentária ou jogar do primeiro andar do cinema o paletó surrado, para integrar outra vestimenta, então, enganando o porteiro. Dramas de amor encheram as telas e molharam a face de muita gente, deixando gravadas as letras chorosas das perdas irreparáveis: "Por que não páras relógio/Não me faças padecer...". É possível que alguns introjetassem essas rupturas, antecipando os danos do amor que a vida, muitas vezes, reserva! Nas poltronas da platéia, invariavelmente, os casais enamorados trocavam juras e faziam promessas nunca vãs, roubavam os primeiros ósculos e ensaiavam os afetos dos inícios, de cujos começos emergiram amores perpetuados, ainda.

Quando a tarde amornava o dia, expondo as árvores em grandes sombras, instalava-se a pelada ou o "rasga", como se chamava esse tempo da bola. Juntavam-se os meninos todos da redondeza e um deles, o dono da pelota, de borracha ou de couro, era, invariavelmente, escalado. Uns jogavam muito bem e outros muito mal. De todos, nenhum deu pra gente, isto é, ninguém seguiu a carreira do futebol e na escalada da vida, tiveram que trabalhar duro, mesmo, amealhando centavos. Quem atrasado chegasse virava juiz e com o apito expunha à galhofa a mãe e a outros ancestrais assemelhados. A rua, inicialmente, de terra batida, recebeu a modernidade que o asfalto trás e muito samboque de dedo foi arrancado nos chutes a gol, os quais, se bem sucedidos, valiam as feridas e as dores. Isso tudo a vizinhança renegava, porque a bola varava os ares e ia cair nos quintais alheios, provocando a ira da gente local e as lições de moral se sucediam, das casas que ficavam às margens do improvisado campo, sem grama e sem barra, que fosse!

À noite, o cinema do padre! Mas isso é outra história! E outros quinhentos cruzeiros.