quinta-feira, 16 de abril de 2009

Apenas Vadeco

Fazia um tipo parecido com aquele tio, de quem já contei algumas peripécias. Ele próprio lera neste espaço as crônicas que redigi e publiquei, achando muita graça nas narrativas e lembrando outras passagens, as quais nem deu tempo de escrever. Era inquieto e às vezes podia parecer áspero nas palavras, mas aquilo não era senão o seu jeitão. Não era ríspido, era austero! Talvez fosse assim, mais duro com os circunstantes, para esconder a grande timidez de sua personalidade. Ora, sabendo que eu, vez ou outra, encontrava velho amigo seu de infância, hoje um antropólogo de nome nacional – internacional também –, embora tenha anotado o telefone celular do companheiro, nunca ligou, nunca se dispôs a telefonar-lhe para retomar antigas conversas, fiadas em calçadas da Madalena ou da Torre. Quem sabe?
Era, habitualmente, irônico, tanto é que residindo no bairro de Casa Amarela, no Recife, exatamente na Estrada do Arraial, quando foi apresentado à família da atual esposa – era viúvo antes –, fez questão de responder à indagação de onde residia dessa forma: “Moro no Beco da Facada!”. Era o nome vulgar de uma das ruas do lugar, mas não era o seu endereço. Isso deu uma péssima impressão à constelação parental da noiva e precisou ser corrigido seguidamente. Mas, sabendo que eu tinha casa em Aldeia e ele próprio se instalando por lá, decidiu me telefonar. Procurou o número na agenda do aparelho celular e ligou para um outro Geraldo. Foi atendido pela mulher, a qual reagiu às brincadeiras dele. Ai, não quis mais me encontrar e justificou-se à esposa dizendo que a minha mulher lhe fora grosseira. Ora, nem fora e nem foi! Sequer o atendera! Essas tiradas eram suas mesmo, escondia a timidez assim!
Achava uma graça danada nas minhas presepadas, porque sendo o cognome dele sonoro, forte, de quando em vez eu me utilizava do apelido para apressar os meus impasses, sobretudo na República Independente de Todas as Aldeias. Usei, porém, certa vez, no Mercado de Boa Viagem, no boxe dos discos e obtive um bom desconto. Dizia dessa maneira: “Quem me mandou aqui foi Vadeco! Sabe quem é?”. E o homem ficava matutando alto: “Vadeco! Vadeco! Vadeco!”. Não respondia que ignorava o penitente, mas se aproveitava disso para me vender suas peças de vinil, dando o desconto de praxe. Se assim não fosse, me queixaria a Vadeco. De outra feita, o homem da antena externa falhou comigo. Era uma empresa vagabunda, cujo telefone para atendimento aos clientes era o orelhão da esquina. Depois de uma luta grande consegui estabelecer um diálogo e cuidei no alerta: “Ou o senhor resolve ou vou dizer tudo a Vadeco!” O homem não sabia de quem se tratava ou quem era, mas retorquiu de lá: “Não diga nada não! Vou resolver!”. E assim foi!
Havia quem lhe chamasse, também, de Deco, apenas Deco, o final de seu cognome. O amigo de infância e agora antropólogo o tratava dessa forma. E um primo, a quem muito queria e com quem fizera poucas e boas nos idos de jovem, da mesma forma. Os anos de juventude lhe marcaram a vida, definitivamente, contava e recontava os casos ou os causos. Nunca esquecera a vez em que pediu no Mercado da Madalena um caldinho de feijão, mas frisou que não era premiado. Imagino que o prêmio eram os pedacinhos de torresmo que costumam acompanhar o tira-gosto. Ao tomar, todavia, sentiu o crocante entre os dentes, era uma barata cascuda. Não houve jeito e vomitou no banheiro infecto do local vezes e vezes. Tinha horror ao bicho, fosse vivo e bulindo ou fosse morto, integrando o caldo da feijoada. Um horror!
Revendo por aqui as crônicas do Blog, eis que encontro um comentário de Vadeco; comentário que não tinha visto. Ora que recebo de forma instantânea essas observações por e-mail! Contava mais uma história do tio de tantas peripécias. Faz uma narrativa interessante em mesa de bar. É que um grupo de pessoas chegou e pediu: "Uma cerveja e três copos!". Natural! Por certo falaram alto e o meu tio não se conteve, pedindo também: "Garçom! Para mim: três cervejas e um copo!". O caso terminou em briga e não podia ser diferente!
O aniversário de Deco era complicado, porque sendo no primeiro dia do ano, coincidia com as festas do dia 31 e os votos de feliz ano novo já eram seguidos dos parabéns. Passamos com ele a última de suas datas natalícias. Duas de nossas filhas estavam presentes, assim como o genro do Ceará. A filha mais velha, espanhola por adoção, significava um porto seguro para as suas brincadeiras. É que achava a menina – não é mais menina! – parecida com uma das filhas de meu avô; filha de outra mulher, mas uma tia como todas. E a tratava pelo nome dessa tia! E quase faço incluir, na coroa com que lhe homenageamos no derradeiro momento, esse prenome diferente. Mas, de nada mais serviria qualquer que fosse a manifestação. Afinal, tudo estava consumado!
(*) - O Blog atual é diferente, porque comporta uma crônica com um tempero pitoresco, mas é sobretudo um texto de despedida, por isso vai oferecido ao protagonista das peripécias: Vadeco. Comente se quiser no espaço do Blog ou se utilize de um dos e-mails adiante: pereira@elogica.com.br ou ainda pereira.gj@gmail.com

Um comentário:

  1. Geraldo.
    Gostei de mais esta crônica sua. O Vadeco é um personagem mais ou menos universal, pelo que vejo, até porque eu o conheço com outro nome, desde os tempos de criança vividos no bairro dos alemães, em Piracicaba, nos idos das décadas de 40 e 50.
    Mas o que eu queria dizer também é um detalhe: fiquei honrado em ver que colocou
    no seu texto uma imagem de desenho meu, em bico de pena, que publiquei no meu site.
    Se desejar ver crônicas minhas, entre em http://www.cmpp.com.br/cronicas.
    Podem também ser acessadas em http://beredicth.forumeiros.com

    Um abraço
    Wladir dos Santos (wladir@cmpp.com.br) ou (s.beredicth@gmail.com)

    ResponderExcluir