quinta-feira, 28 de maio de 2009

"Nem Calça eu Uso!"

A mais recente novidade nessas paragens virtuais, é que o meu Blog foi proibido na China. Palavras inadequadas, como justificaram, fizeram o governo de Pequim bloquear o espaço que uso para divulgar o pitoresco em meu atribulado cotidiano. Eu não sei, francamente, que vocábulos de meu texto mereceram esse tratamento desigual, mas os censores sabem mais do que eu o que pode mexer com os parcos leitores que tenho naquele país tão distante. Será que foi a alusão que fiz às albacoras, figuras femininas rechonchudas que impressionaram o imaginário do meu ilustre amigo conhecido como o bíblico? Na largueza do lugar, cujo sinônimo mais adequado é desenvolvimento, a minha página era lida, apenas, por um casal brasileiro, pernambucano inclusive, arribado daqui, com medo da crise e dos assaltos nos semáforos. Lamento, mas evito prenomes e sobrenomes, com a finalidade de impedir o chamado repatriamento, que tanto assusta os imigrantes.
Mas, não estou aqui escrevendo para falar da China e do bloqueio ao meu Blog, antes o contrário, tenho a intenção de me utilizar de palavras inadequadas mesmo, contando o dia a dia das minhas coisas. É que trabalhei quando comecei a vida com prostitutas, tratando-as das agora chamadas doenças sexualmente transmissíveis e à época conhecidas como doenças venéreas. Foram 4.000 mulheres da velha zona do baixo meretrício que passaram, de uma forma ou de outra, por minhas mãos. Era, francamente, um rolo do peru o Serviço de Doenças Venéreas (SDV), a começar por uma chefe que tinha que não gostava da palavra prostituta – a China também não gosta – e preferia que se chamasse promíscua. Ora, que coisa! De minha parte achava ainda pior, mas, como chefe é chefe, o índio cumpria à risca.
Era um movimento grande todas as tardes no Centro de Saúde Lessa de Andrade. Costumávamos fechar a pensão que não mandasse para exame as suas mulheres e numa ocasião, depois da visita de verificação do nosso atento e vigilante fiscal, que tinha o maior orgulho de sua posição funcional, cuja carteira lhe abria as portas da zona inteira, interditamos certo bordel. A dona da casa de tolerância era amante de um militar, já não lembro de que força e o sargentão foi falar comigo. Brabo e determinado, decretou que eu deveria reabrir o estabelecimento naquela noite. Depois de falar e ameaçar, sabendo eu de sua graduação, fui incisivo e menti: “É, meu caro, você está falando assim, mas poderia se entender com o general, de quem recebo ordens e que me mandou agir assim!”. O velho e compenetrado sargento, quase perfilado, não tinha outra saída, senão verbalizar: “O senhor faz muito bem! Mantenha fechada a casa e só abra quando quiser!”. Ora pau, o general nunca me vira, nem eu a ele.
Noutra oportunidade, atendia a uma das figurantes da vida que se dizia fácil, mas que é de uma dificuldade enorme. Só vendo ou só ouvindo o lamento dessa gente. Dizia que tinha sido encontrado no exame laboratorial o micróbio da gonorréia, por isso ia providenciar o tratamento. A criatura indignou-se, pediu a repetição do procedimento e disse ser limpa, acrescentando: “Doutor! Nem calça eu uso!”. E levantou a saia mostrando-se desnuda, tanto quanto viera ao mundo. Mulher de Deus, quase digo, baixe isso! E mandei que se repetisse o exame, sem que me lembre mais do resultado, porque já se vão anos e mais anos de distância. Hoje, nem zona existe mais! Era um fuzuê! Um vaivém do cão! Mulheres vestidas com os mais cobiçados vestidos da praça, peças. Uma dessas, com um tecido verde de helanca fazia inveja às demais, esfilando pra lá e pra cá nos corredores do posto.
Aquilo lá tinha uma sociologia peculiar – a da pensão – que eu poderia ter explorado melhor e publicado trabalhos científicos a propósito. A casa era alugada, pelo geral, e à Santa Casa, sobretudo, pasmem os leitores. Contava com os serviços domésticos de um homossexual, o controle da dona e o apoio de um gigolô, frequentemente da polícia.


Entrou por uma perna de pato, saiu por uma de pinto, senhor rei mandou dizer que contasse cinco.
(*) - Desejando o leitor comentar, o faça no espaço para tanto reservado no Blog propriamente ou escreva para os e-mails: pereira@elogica.com.br ou pereira.gj@gmail.com

4 comentários:

  1. ...Logo a China! esta crônica , se ousada, refletiu toda uma realidade e, concordo,foram relatados fatos tão socialmente peculiares que poderiam ter sido aproveitados como conteúdos para trabalhos científicos. E por que não?

    ResponderExcluir
  2. É a acalmada sabedoria o que encontro em seu texto, a acalmada sabedoria e o dom de oportuna palavra.

    Era Alfonso X o Sabio quem dizia sobre a amizade: queimai velhas lenhas, bebei velhos vinhos, lede velhos livros, tende velhos amigos.

    Esta última parte, quisesse eu poder escrever de ti dentro de uns anos, se permites que caminhe aquela oportuna casualidade nascida em Baralhas, entre Madrid e Recife.

    ResponderExcluir
  3. Hola geraldo, buena la has hecho. El partido Comunista Chino no te deja contar tus recuerdos y sentimientos pues "parecen peligrosos".
    No te desanimes por semejante tontería, piensa en todos los que disfrutamos de tus recuerdos y tu gracia de escritor.
    Un fuerte abrazo de
    Mª Jesús y Armando (tu familia da dreita do atlantico)

    ResponderExcluir