sábado, 5 de dezembro de 2009

Os Seios de Otília

A casa entrava em polvorosa, quase se pode dizer, quando seu Cícero chegava fedendo a cerveja e sujo com molho de carne guisada. Entrava gritando e sentava à mesa esbravejando. Muitas vezes se ouviu, nos arredores daquele sobrado, pornografias ditas pelo homem enfurecido. Mandava que se recolhessem todas, a mulher e as duas filhas. Ninguém tinha liberdade e só abriam aquele portão de ferro pesado para um destino considerado nobre e digno, isto é, a escola das meninas e a igreja da esposa. Fora disso, nada! Era um ciúme doentio. Disso não se duvidava e nas esquinas era comum o comentário: “Brites e Bruna não aparecem nas janelas!”. Mas, a rapaziada do bairro não dispensava uma graça ou um galanteio, quando se dirigiam ao colégio: “Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça/É ela menina que vem e que passa...”, diziam, imitando Tom Jobim e lembrando da Garota de Ipanema.
Eram moças, realmente, atraentes. Tinham os traços parecidíssimos e os corpos quase iguais. Mocinhas arabizadas, mouras, no melhor estilo das descrições de Gilberto Freyre. Baixinhas e de formas protundentes, de largas cadeiras e bustos pequenos, mas firmes e fortes. O diabo atenta gente assim, presa pelos grilhões do ciúme e vez ou outra a meninada tinha o que contar das moças que viviam trancadas. Vezes e vezes, o vizinho de frente, Chico por apelido, subia na mangueira de casa e diante do sobrado antigo via Brites em trajes menores, de calcinha e sutien no espelho do quarto. Era uma sensação tão forte, mas tão forte, que certa vez ele quase caiu da árvore. Desceu às carreiras, quando ouviu o grito da mãe: “Chico, menino danado! Vem comprar o sal da comida!”. Correu e comprou! Na volta subiu outra vez e lá continuava a garota, no quarto ainda, vestindo e tirando a roupa de suas intimidades. E a cena repetiu-se muitas vezes.
Sucede que Brites vira o olheiro de ocasião e tempo não perdera – o diabo atenta mesmo – tirou o sutien pespontado que usava e ficou com os dois pingentes expostos. Virou-se para o observador de ocasião e andou dois ou três passos, pra lá e pra cá, balançando os berloques em movimentos pendulares, como cabe fazer uma mulher assim, vistosa e bem parecida. Chico tremia feito vara verde no galho da mangueira, perplexo com a beleza da mulher. Mas, como todo homem que se preza, queria ver mais e mais, queria tocar e alisar, apalpar enfim aquele corpo tão bonito e tão tentador. Não podia, porque seu Cícero, o português encapelado, bêbado e teimoso, parecia um cão feroz diante de qualquer tentativa de aproximação. Nem conversa queria, fosse mulher ou fosse homem. Temia namoros e afetos, afagos jamais e o libidinoso da idade que fosse para as cucuias de costas.
Bruna de nada sabia e como fora sempre a mais contida, ficava no ora veja e dela ninguém via nada. Foi ela, no entanto, quem arranjou um namorado primeiro. Chegou Aparício em sua vida e a paixão tomara conta dos dois. Era um alvoroço na hora de seu Cícero chegar, um corre-corre danado. Esconde pra lá e escapole pra cá, o rapaz correndo feito um louco de volta pra casa e ela saltando o muro baixinho, correndo pra sala. Um horror! Naqueles anos da década de sessenta o namoro era contido, levava meses seguidos para se pegar na mão, outros meses mais para enlaçar a namorada e anos para se beijar na boca. Sucede que nessas circunstâncias, de namoro muito escondido e de um pai assim, levado da breca, como seu Cícero, o diabo também atenta e as coisas andavam mais rápido. Aparício, então, já estava em estágio bem adiantado do processo, a sua mão entrava pelo vestido e abordava a velha combinação dos costumes da época, suspendia o porta-seios e bolinava com todo cuidado a moça Bruna, recatada e pudica. Ela tinha os mamilos mais lindos que o menino já vira, eram medalhas militares intocadas.
Um dia qualquer, estava o casalzinho em abraços e apertos no muro de casa, ele com a perna direita posta no muro, onde se encostara e ela caída sobre o seu corpo. Quando o algoz apareceu na frente foi um rebuliço, mas de uma hora para outra a família toda se revoltara e resolvera enfrentar a fera. Pegaram o homem pela breca, deitaram no passeio de acesso ao alpendre e deram-lhe uma surra de que não se tem notícias em todo o Recife do antes. O penitente, não teve dúvidas, pegou um saco velho, com o qual imitava o papai-noel nas festas de fim de ano, encheu com os seus pertences e ameaçou: “Vou embora dessa merda! Aqui só tem doido!”. O namorado que avançara o sinal foi saindo de fininho e desapareceu na primeira esquina. Nunca mais voltou! A constelação parental, porém, diante da retirada do carrasco que comandava os destinos da família, bateu palmas em conjunto e o homem, também, nunca mais voltou.
O que ninguém sabia era que Otília, a mulher contida e submissa, acostumada aos gritos do marido e ao esbravejar daquela fera tantas vezes enfurecida, também trocava de roupa com a janela aberta e Chico vira inúmeras vezes os seios da mulher. Ela tinha um prazer desusado em mostrar o seu busto ainda rijo àquele menino quase imberbe, que lhe via do galho mais próximo da mangueira. E ele, na safra da manga-rosa, nunca descuidou do presente generoso. Não dizia, porque também não podia, mas aquelas frutas rosadas eram os seios de Otília. E ela, também, sem expressar seus desejos agradecia de bom grado e dizia: “Um dia vou lhe recompensar!”. Se recompensou, o leitor há de saber depois, noutra semana, se dessa crônica se agradou.
(*) - Comente no espaço mesmo do Blog ou se utilize dos e-mails: pereira@elogica.com.br ou ainda pereira.gj@gmail.com

4 comentários:

  1. Geraldo,
    que beleza de crônica!
    Um abraço
    Lucivânio

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  2. Crônicas sempre de primeira!!
    Assídua frequentadora do blog
    Um Abraco,
    Pietra Spessatto

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  3. Excelente estilo literário.
    Gostei do seu blog.
    Abraço.
    César dos Anjos

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  4. Ah, as mangas... Tiradas do pé, então!
    Belo texto. Abraços.

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