sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Ode à Gordinha

Quando eu era menino, nos idos e muito bem vividos anos cinquenta, havia um culto sistemático à mulher gordinha e ao mesmo tempo fofinha, generosa de busto e larga de quadril. Hoje a coisa mudou, pelo menos é o que parece, o gosto passou à magricela, pra o manequim de desfile de modas, caquética estilizada, quase. Isso é coisa de estilista - Só pode ser! - porque à mulherada de pernas grossas, de ancas bem cuidadas e de seios fartos, toda gente tira o chapéu. Em particular tiro eu, mais de trinta vezes, principalmente se a figura dos trinta, também, passou e carrega nas costas mais cinco anos de contrapeso. Quanto mais velha melhor, ensina cunhado meu.

É sobre isso que falo, das gordotas bem parecidas de meu tempo juvenil, destronadas, hoje em dia, por intrigas da oposição. As magrelas se juntaram e uma campanha criaram, reprimindo a gordura e engrandecendo a cintura. Conversa pra lá e conversa pra cá, botaram de escanteio o culote e a celulite, sem que imaginassem o quanto os homens, maduros em maioria, mas os jovens também, gostam desses recantos. Toda essa coisa por que? Desconhecem os grandes quadros, há tantos anos expostos nos museus do Velho Mundo? Ou nunca viram as musas de meus tempos de menino? Sem culote e celulite, mulher não é mulher, é bicho papão, que assombra de dia e ataca de noite.

No quintal de minha casa, num velho quaradouro - havia esta peça em toda casa - diante do galinheiro, sentaram-se grandes figuras, sem que o galo soubesse ou a galinha desse conta; gente branca arabizada, vinda dos limites com o Agreste ou negra, bem preta, desalojada da Mata com medo da fome. Maria, de Camocim de São Felix, alva, danada, do nariz de patola, do busto furando a blusa, naquele movimento pendular, cuja aceleração, por ser constante, marcava-lhe o tecido chulo, esgarçando o pano e o coração da gente. Virgínia, medonha, lá dos Palmares de Zumbi, de pernas tão grandes, tão grandes, cujo fim, que era o começo, nunca se viu.

Outras tantas se sentaram, às caladas da noite, naquele quaradouro de madeira, no princípio e todo cimentado depois. Duro feito uma pedra, mas fofo que nem espuma, quando o menino rompia, nas mesmas noites caladas, consigo e com o pai. Célia foi a última, a derradeira a chegar. Dava trabalho desatar o nó da íntima peça do busto, mesmo a quatro mãos, como nos grandes concertos, quando se toca ao piano outras peças, com emotividade assemelhada. Bichinha desalinhada, não fora o seu conteúdo, amarrada, desgraçada, às custas de muitas voltas.
Desapareceram as musas todas de meu viver juvenil, dos meus tempos de menino, encantadas na noite dos tempos. Levaram pra bem longe, bem longe, as qualidades femininas da época: grandes culotes e celulite à vontade, ao gosto do parceiro. Sumiram, de volta às origens, em direção à caatinga, seca, esturricada, ou ao massapê úmido, gorduroso. Massapê garanhão de Gilberto Freyre. Restam lembranças, recordações daquilo tudo.
Foi sabendo dessas coisas todas que primo meu - Sérgio Marques - passeando nas ruas de Londres e vendo postal da década de trinta, no qual está muito bem retratada uma festa do cabide, não teve dúvidas, selou e mandou. Tres gordotas de costas, monumentos à carne, participam do encontro e enquanto isso, duas distintas senhoras escondem o rosto, amedrontadas com a máquina. Já devem ter passado dessa pra pior, mas o retrato ficou, gravando, para o resto da vida, cena tão diferente naqueles anos de rigidez a toda prova. Fui nomeado, agora, guardião da foto, pelo que a sustento, exposta, na porta do refrigerador, para a admiração de toda gente.

6 comentários:

  1. Geraldo,
    Me convide, qaulquer dia desses, para dar uma espiada na porta do seu refrigerador.
    Girley Brazileiro

    ResponderExcluir
  2. Geraldo,

    Um pouco difícil comentar este texto muito engraçado, alíás. Não resta dúvidas que a sua sintonia agrada e muito. Você consegue prender o leitor e deixá-lo leve.
    Mas, fica o conflito quanto às magricelas estilizadas, modernizadas e donas do pedaço, atualmente.
    Gostei muito do teor da crônica e das revelações contidas. Mas, se melhores são as gordotas, deixo para vocês, homens, a preferência...

    Abraos Eliana

    ResponderExcluir
  3. Dr. Geraldo,

    Aqui, na madrugada Paulistana, li e adorei sua cronica. Sendo da sua geração, partilho de gostos e sonhos semelhantes. Como é que se faz para ver esta fotografia? Ela não produz cópias?, Não sai da geladeira? Abraços.
    Fred katz

    ResponderExcluir
  4. Aos dois pidões: Girley e Fred - Preciso invocar ou evocar o título do livro do mestre Paulo Cavalcanti: "O caso eu conto como o caso foi". E vou contar de verdade! É que a foto já sumiu há muito tempo de casa. A patroa deu cabo das figuras e à época não havia o milagre do scanner. Esse meu primo desvairado - coitado! - já se encantou no infinito das coisas e não há mais como resgatar o retrato, senão nas ruas de Londres. Um de vocês dois, por certo,contumazes viajantes há de resgatar a preciosidade que perdi.
    GP

    ResponderExcluir
  5. Geraldo:
    Parabéns por esta belíssima crônica. Você surfou bem na antropometria das gordinhas. Entretanto, sugiro que coloque na porta de seu refrigerador o retrato de uma de suas musas gordinhas com "o busto furando a blusa". Isto é bom demais!!!
    Abraços,
    Roberto Harrop

    ResponderExcluir
  6. Geraldo:
    Parabéns por esta belíssima crônica. Você surfou bem na antropometria das gordinhas. Entretanto, sugiro que coloque na porta de seu refrigerador o retrato de uma de suas musas gordinhas com "o busto furando a blusa". Isto é bom demais!!!
    Abraços,
    Roberto Harrop

    ResponderExcluir