quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

O enterro do peru

Decido escrever sobre as festas natalinas, as do meu tempo. É que amigo meu – colega médico também – lá de Monteiro, nos esturricados rincões da Paraíba, escreveu-me dando conta de sua experiência na Noite de Festas. Era assim, lembrou, que se chamavam as antigas noites natalinas, com a Missa do Galo presidindo a cena. E era mesmo, todos iam à celebração do sacrifício canônico, uns compareciam ao ato na capela do Colégio Nóbrega, outros preferiam a rapidez do Mons. Sales, na Matriz da Soledade. Estive nos dois lugares, no Colégio onde estudava e na igreja em que me batizei e depois me casei, com o camareiro papal vestido a caráter.

A noite, porém, começava cedo, na Festa da Mocidade, com direito a carroceis, sobretudo o polvo, em que os giros eram acompanhados de gritos frenéticos; gritos e abraços, às vezes até beijos roubados a cada uma das evoluções do brinquedo. Eu tinha medo, por isso nunca me aventurei por lá. Pior o tira-prosa, com dois braços enormes se cruzando nos ares. Gritos até não se querer mais e alívio quando o equipamento parava e os meninos ou as meninas desciam. Nunca havia adultos! Raramente! O cabo Marcha-Lenta era o fiscal da festa, ia pra lá e pra cá, com aquele andar cadenciado dos indivíduos gordos. À época saúde e gordura era o mote.

Jogo de azar havia, porque a roleta rodava até a madrugada, mas não era facultado a menores arriscar na ficha. Vez ou outra, no entanto, aproveitando uma distração do meganha, valia a compra de uma fichinha barata, menos de que jogavam os endinheirados. Os que tinham os bolsos recheados de velhos cruzeiros obtinham a prioridade feminina e saíam com as vedetes em carrões enormes, de capota arriada e cantando os pneus. Vi um desses, muitos anos depois, chegar ao pronto- socorro com uma mulher sensual, pintada a caráter e bem vestida. Estava em coma, depois de uma colisão na avenida Boa Viagem. E o pobre do guarda quase enlouquece para prendê-lo. Fiz poucas e boas nessa noite!

Vinha-se para a Missa do Galo e se evitava o pecado até a hora da comunhão. Depois disso era uma gandaia só. Na Festa, outra vez visitada, dançava o Pastoril do Velho Faceta e cada um que desse uma moeda ou um cédula para ver uma pastora dançando sozinha. Era uma festa dentro da outra. A mestra seu Faceta, gritava um circunstante, a contramestra senhor, gritava outro e o dinheiro ia sendo guardado pelo velho. Eram mulheres de coxas enormes e por isso mesmo admiradas pela canalha, na qual eu estava muito bem entrosado. A culpa depois confessada era a de ter usado o dinheiro de meu pai assim, para o escabroso desfilar dessas pernas imensas.

A minha avó paterna tomava conta do bolo branco que se preparava para a noite e orientava as empregadas no embebedar do peru, sendo eu o responsável pela compra da dose de aguardente, com a qual se fazia chegar goela abaixo a água que passarinho não bebe ao estômago do bicho. Depois, na mesa, o animal morto, qual uma mulher numa mesa ginecológica, era traçado pela família toda. O bom mesmo era no dia seguinte, a cerimônia do enterro do peru, isto é, a carcaça do bicho imersa no feijão. Melhor não chamar assim, recomendava a minha avó, uma das mulheres mais obedientes aos ensinamentos da Igreja. Não sei se foi bom ou se não foi!

O diabo é que chego por lá e não vejo mais ninguém desse tempo. As portas estão fechadas, como se guardassem as lembranças do tempo que se foi. Morreram todos e estão morrendo os outros. Qualquer dia, não se fala mais nisso! Esquecem o que passou da memória dos que estão chegando.

2 comentários:

  1. Caro amigo Geraldo;
    Sua felicidade e energia são contagiantes.
    Sua família é maravilhosa.
    Meus sinceros parabéns.
    Grande abraço
    Luiz Fernando Pegorer

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  2. Geraldo,prezado colega de turma:
    Apresento-lhe os meus parabéns por ter uma bela e exemplar família. Sua felicidade reconforta-nos e nos dar a convicção de que você muito bem soube construir junto com a sua espôsa um Templo cheio de virtudes. Você é um homem livre e de bons costumes.
    Abraços fraternais do colega
    Vicente de Paula

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