terça-feira, 8 de janeiro de 2013

O vigia, o diretor e o trapeiro


Em crônica recente, publicada sob o título de “O tio do boy”, um leitor que não se identificou, deixou o seguinte comentário: “Geraldo, você sempre foi chegado a um rolo. Atração fatal, diz título de filme. Se pesquisar todos em que já se meteu ou vivenciou, melhor dizendo, é coisa pra doze volumes. Afora os que você, com esse senso de humor arretado, já aprontou com os "penitentes" da vida. Conte por aqui aquela sua aprontação, que fez um carroceiro cantar o Hino Nacional no meio da rua, nos chamados "anos de chumbo". Forte amplexo. em O Tio do Boy” .     
Na realidade, o carroceiro não cantou propriamente o Hino Nacional, mas quase canta. Foi o seguinte: eu morava defronte de um sindicato; de um sindicato de pouca representatividade, mas com diretores que se comportavam como se tivessem engolido um rei, tal o poder com o qual se imaginavam. Não falavam com ninguém e muito raramente cumprimentavam os vizinhos. Uma gente que pensava mandar e desmandar para o resto da vida. Andavam com um carro da instituição e transitavam com esse veiculo acima e abaixo, sem respeitarem as limitações de um carro assim. 
Pois é, num sábado qualquer dos anos 80, estava eu na calçada, quando vi um dos diretores solicitar do vigia que lhe abrisse a porta e entrou. Imediatamente me veio à cabeça a ideia de colocar o homem numa embrulhada, passar-lhe um trote. Diante do sindicato havia três mastros e habitualmente eram hasteadas as três bandeiras do hábito. Naquele dia, por falta de expediente, não foram postas em seu lugar. Mas, me ocorreu ligar e solicitar fossem hasteadas com pompa e circunstância. Liguei! O diretor atendeu, deu nome e cargo, facilitando o meu trabalho:
 
- Meu senhor, diga-me lá, passei agora mesmo por ai e não vi bandeira alguma nos mastros do sindicato. A que se deve isso? 
- Quem fala?  
- Aqui é o capitão Fragoso!  
- Capitão, o senhor de me desculpe, mas hoje é sábado e não há expediente!
 
- Ora, tem graça uma coisa dessa, então o senhor não sabe da nova lei; a lei que obriga hastear o pavilhão nacional todos os sábados.
 
- Realmente, não sabia. Mas, vou imediatamente providenciar para que seja hasteada, conforme a sua recomendação. 
- Não, meu caro diretor, mas não é assim, há um ritual a ser seguido. Ninguém pode levantar a bandeira até a ponta do mastro sozinho. O ritual exige a presença de três pessoas. 
- Mas, Capitão, compreenda, só temos aqui dois homens!
 
- Com dois não pode! O senhor faz o seguinte: chama uma pessoa que for passando e compõe o ritual. Caso contrário, já sabe, cadeia.
E ia passando um carroceiro, um trapeiro, puxando a sua carroça e recolhendo o que encontrava pela rua com possibilidade de ser vendido. Pois ele foi convocado, posto ao lado do mastro e a bandeira subiu garbosa, com esse pelotão arrumado. O vigia, o diretor e o trapeiro. E assim eu fiquei vingado da vaidade desse pessoal que julga ter poder eterno.   

Um comentário:

  1. Caro Geraldo, o leitor "que não se identificou" foi esse reles escriba aqui, que, meio maluco, "sesqueceu" de "assentar" o nome. Silvio Costa, o da UFPE.

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