terça-feira, 22 de abril de 2014

Rádio Piripipi de Poupoupou

Eu tinha dois amigos que gostavam de fazer experiências com rádio, isto é, lidavam habitualmente com transmissores e receptores. Tinha vontade de me juntar a eles, mas nunca me animei para fazer essa desejada parceria. Era, de toda forma, um admirador deles dois. Eu, entretanto, era um ouvinte constante das ondas hertezianas. Ouvia as chamadas ondas médias e me distraia procurando escutar, também, as ondas curtas e ai sobretudo os radioamadores. Os receptores eram enormes, na casa de meu pai havia um, alemão, comprado ai pelos fins dos anos quarenta, penso eu. Um equipamento que captava emissoras brasileiras e estrangeiras. Foi nele que ouvi os detalhes do suicídio de Vargas, desde a crise que o levou a tanto. Lembro das questões levantadas contra Gregório e lembro, sobretudo, do atentado  da rua Tonelero, em que morreu o major Vaz, da Aeronáutica, que acompanhava Carlos Lacerda. Nesse aparelho ouvi as notícias que antecederam a revolução de 1964, até à informação de que o General Mourão vinha descendo de Minas Gerais, com a tropa.

O meu pai tinha um amigo que era, mais ou menos, doido, de quem eu ouvi que vinha captando sinais estranhos de outras galaxias. Eu era menino e fiquei besta com aquilo. Resultado, passei uma noite inteirinha atrás desses sinais, na radiola da sala. Perdi meu sono e meu inglês, porque não consegui ouvir nada, absolutamente nada. Mas, já fui vítima também dessas emissões que ganham os ares do mundo. Foi na Festa da Mocidade! O meu pai ganhou um sapato Rainha e disse logo que não usaria aquele tipo de calçado. Eu era louco por um sapato como aquele e fiquei com ele. Um amigo meu, então, mandou me chamar pelo rádio da festa, assim: "Atenção! Atenção Geraldo Pereira! Volte para casa pois seu pai precisa sair com o sapato!". Imagine o leitor que eu estava sentado com a namorada e o sobrinho dela, Sérgio de prenome, e ela não se conteve: "Você e seu pai só têm um sapato!". Só descobri quem foi há bem pouco tempo!

Mas, aqueles dois amigos fizeram um transmissor portátil, que andava com eles no carro. Estava começando a aparecer os rádios portáteis. No Parque 13 de maio um casal de namorados estava sentado, aos beijos e abraços, de forma desusada à época. O rádio junto transmitia um programa normalmente ouvido: De coração a coração era o que ouviam e Souza de Andrade ensaiava conselhos de amor, como era de seu costume. Um deles foi lá, identificou a estação e voltou para o carro, transmitindo então o seguinte: "Esta é a radio Piripipi de poupopou, transmitindo especialmente para os casais enamorados!". Isso assustou os pombinhos que não acreditaram naquela inusitada voz. Pior, porém, quando o locutor disse: "Meu amigo! Você mesmo que está tão admirado: confesse que é casado e deixe de enganar a moça!". Foi um deus nos acuda, com o camarada se justificando até quase à morte

2 comentários:

  1. Caro Geraldo:
    Muito interessante a história do sapato. Olha só, quem gosta de "mexer" com os outros, um dia também leva...
    Melhor ainda, um casal enamorado, trocando carícias e sendo interrompido de maneira tão... Hilária, diria, apesar da consequência. Agora, perder o sono, para ouvir coisas de outros mundos, essa foi muito boa mesmo. Naqueles tempos, a boa educação não permitia que se falasse alto, vai ver, foi isso. Se fosse hoje, com toda essa parafernália moderna, você sairia era correndo, com as coisas que ia escutar... Felizes os tempos, em que os homens eram puros e a vida era leve!
    Parabéns por suas divertidas histórias da vida! Um abraço.

    Lígia Beltrão - Colunista Divulga Escritor

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  2. Meu caro acadêmico Geraldo, o do sapato Rainha.

    Sem alusão a quem quer que seja, quando surgiu o sapato em epígrafe ele foi adjetivado de "afrescalhado" (com perdão da má palavra), lembro bem disso, penso que você também!
    Reportando-me à transmissão extraterrestre, você jamais poderia captar os sinais transmitidos a partir daquele mundo, segundo narrativa do amigo de Dr. Nilo. Claro, o sinal de rádio deve ter sido transmitido numa frequência que, apenas os mentecaptos, poderiam captá-la e decodificá-la! Silvio Costa, o da UFPE.

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