terça-feira, 4 de novembro de 2014

Cobras nas ruas do Nordeste


No Recife está tudo mudado, chove agora todos os dias e o aguaceiro tem hora pra chegar; chove pela manhã logo cedo e chove à noite, no momento do sono se apresentar. Se apresentar para os outros, porque pra mim, se houver apresentação, pode esperar a madrugada que eu desperto. É a insônia do despertar precoce, cujo incômodo impede, muitas vezes, do dia correr bonito, sem cochilo e sem madorna. Se assim não for, com toda certeza perco a manhã e perco a tarde. Não dá pra escrever e leitura nem pensar. Isso é ruim, tanto porque tenho muito o que rabiscar na virtualidade das coisas e tenho muito o que ler, com as obrigações que assumi. Valei-me Senhor! Dia desses até, briguei comigo mesmo e me mandei à sesta à força, sob o argumento de que sou um homem aposentado.
Antigamente, quando chovia fora de hora, como vem acontecendo ultimamente, minha mãe alertava: “É a chuva do caju!”. Isto é, a precipitação pluviométrica que vinha para facilitar a floração do cajueiro e daí por diante a gênese da castanha e da polpa. Mas, era coisa rara, uma aguada aqui e outra ali. O sol presidia o espetáculo dos dias e a praia era convidativa. Toró mesmo era a partir de maio. Em junho e em julho. Nesses meses é que aconteciam as cheias e eu fui um militante desses períodos, com assento na defesa civil de Pernambuco, que tinha o nome próprio de CODECIPE. Nem sei mais como se chama
Aí, na cheia de 1975, me mandaram passar a noite no Palácio do Governo. Fiquei lá fiando conversa a madrugada inteira, até que um engenheiro veio falar comigo: “Ei, você ai que fala muito. Você pode me ajudar nesse caso? É que há dois soldados guardando o leite, um deles não dispensa uma lata quando passa pelo depósito. O que faço?”. E eu, do alto de minha prosopopeia, disse: “Coloque um tomando conta do outro, enquanto um segue para a direita o outro volta pela a esquerda.”. E assim foi! Não desapareceu mais nada! Foi um santo remédio. Quando o dia estava pra amanhecer, um camarada chegou e me comunicou: “Você vai pra Limoeiro de helicóptero. Ordem do Governador.”. Pois diga a ele que eu não vou de jeito nenhum, porque não confio nessas gerigonças velhas que há por ai. E não fui!
Mas, há uma revista médica do século XIX, na qual há um estudo das temperaturas e das precipitações no Recife, sem falar na umidade e em outros dados interessantes. Escrevi sobre isso, citando inclusive que em 1943, o ano do estudo, em nenhum dos dias do ano a temperatura passou do 30°C e habitualmente o calor da cidade tem apontado números semelhantes a esse ou quase isso. Agora não, porque o tempo é da Primavera e as ocorrências do Inverno.
Pior tem sido em SP, onde está morando uma filha, um genro e um neto: não há água nem pra se lavar! Estou atento por aqui a essas injunções da natureza na terra da garoa, mesmo sabendo das rusgas com o Nordeste do Brasil. Mas isso é coisa antiga, vem desde o tempo das grandes valsas e eu, morando por lá nos anos setenta, lembro quando indagavam: "Pelas ruas do Nordeste anda cobra?" E a resposta: "Anda, claro, mas só morde paulista.". É isso ai! Um médico anestesista do Rio Grande do Sul, convidado a vir ao Recife, para fazer uma conferência, disse: "Não vou a essa terra de merda!". Não venha! Melhor assim!
 
(*) Um texto bem humorado escrito sobre chuvas e cheias, mudanças edáficas e outras mudanças, como essas de agora, as do aquecimento global.
 

Um comentário:

  1. Geraldo: você se supera neste bom humor. São histórias tão interessantes e hilárias que encantam o leitor, de toda a maneira. Este texto, atualizado e remanescente de dias que se foram, deixando lembranças, está muito bom. Gosto muito de ler, principalmente o que você escreve e se me apresenta em dias , bem dias meus
    . Aprendo, rio e entro no contexto como se tivesse vivendo e revivendo. Bjs,
    Eliana: www.blogdepereira.blogspot.com

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