quarta-feira, 14 de outubro de 2009

O Voo da Águia

Essa tarde quase não dormi. Pensei que teria um sono reparador, mais longo que o habitual dos meus dias, mas não tive. Você vai embora! De vez! É perto! Mas é longe! Assisti, na verdade, madornando na cama, a um filme muito longo, o de toda a sua vida a meu lado, desde aquele dia do primeiro choro, em Casa Amarela, onde, aliás, por coincidência, mora agora. Fui ao barbeiro e contei a história. Uma filha se fora, casara na Espanha de todas as monarquias e outra se ia agora, para Fortaleza, um perto, distante.

O rapaz, novo, muito novo, solteiro e sem filhos, querendo aliviar, indagou: “O senhor conhece a vida da águia?” Ele mesmo deu a resposta: “O pássaro segura o filhote pelo bico, voa para o alto de um penhasco e dali larga o bichinho! Se ele alçar voo vai embora, em busca de outras terras! Se não consegue, a mãe novamente o segura pelo bico!”. E complementando finalizou o seu falar: “Dr. Geraldo! Nós criamos os filhos para o mundo! É sempre assim!”. Suaviza, mitiga, mas não consola!

Lembrei do dia em que você nasceu, da hora do parto e de seu choro fraquinho de quem não tinha completado o tempo da barriga. Nascera para facilitar as férias do médico, numa sexta-feira, depois das 8 horas da manhã. Que horror! Tive saudades da hora em que lhe vi pela vez primeira, tão frágil e tão dependente. Fui com você para a incubadora, fiquei do lado de fora olhando, olhando, com vontade de entrar e lhe pegar, de lhe tocar, enfim, para confirmar se tudo estava certinho, direitinho. Tive dúvidas diante da debilidade de seu pranto. Chamei outras pessoas, outros médicos e outros “eus”, contanto que constatasse que tudo estava bem, você normal, direitinha em seu cantinho. Depois, a icterícia da prematuridade, uma lâmpada fluorescente forte e você novamente certinha.

Os anos se passaram e junto com suas irmãs, brincando tantas vezes e brigando outras tantas, faziam da casa uma alegria só, uma algazarra, um vaivem de gente; gente que entrava e gente que saia. Gente que cresceu e se tornou grande, adulta ou gente que se foi, encantada no infinito das coisas. O colégio pela manhã, o balé e o inglês de todas as tardes, eu acima e eu abaixo, uma aqui e outra acolá. Meninas sentadas e acomodadas no banco de trás, meninas brincando e meninas brigando. Era a vida, o Radier, o Nóbrega e a Faculdade. A rua das Pernambucanas com o Studio de Danças e aqui, bem pertinho de casa agora, numa esquina, as aulas de línguas. Que beleza! "Eu era feliz/E não sabia", diz o poeta musicando a voz.

Mas, é hora de voar, de se soltar do bico da grande águia e bater asas mundo afora. Ver outras e novas paragens, construir um ninho que será um novo ninho e repetir o ciclo da vida, fazendo girar a grande roda do carrossel da existência. Nesse carrossel uns chegam e são acolhidos, outros caem e são desprezados. É chegado o momento de um novo acolher das coisas. O seu marido vai porque é competente e competência é a moeda do tempo futuro, da modernidade e da globalização. Siga os passos dele e assista o seu progresso. Cada um dos êxitos dele há de ser, também, um êxito seu e nosso, particularmente. Quando quiser e quando puder volte, venha rever o ninho antigo. Por cá estão os dois responsáveis por sua emergência neste mundo de Deus. Teremos sempre uma palavra, um gesto, um afeto ou um afago.

A casa é sua! E a casa é dele!




Seu Pai

(*) - Revendo os meus alfarrábios agora virtuais, encontrei esta crônica escrita com o coração e guardada com a força da alma. Estava assim, arquivada, faz uns três anos, se pouco, e eu a forjei na tarde que antecedia a partida de minha filha Patrícia para o Ceará. Agora, bem adaptada a Fortaleza, em paz com o marido, Cláudio de prenome e vivendo a tranquilidade da hora, decidi publicar. O faço com a certeza de que por cá, por casa, para ser mais explícito, fizemos certo, largamos a jovem águia no desfiladeiro da vida e a vimos voar, planar sobre as montanhas da existência. Desejando comentar, utilize-se do espaço do Blog ou escreva para pereira@elogica.com.br ou ainda para pereira.gj@gmail.com

5 comentários:

  1. É a vida Geraldo.
    Tu mesmo, Zaina, Malka, eu... todos precisamos bater asas em algum dia.

    ¡Podre de aqeul que permaneça para sempre no ninho!

    Eu não vivi ainda esse episódio da vida, mas se fui protagonista de minha marcha e penso, como tu mesmo me confirmasses, que não existe num dia em a vida, enquanto os pais vivem, ainda estando longe de casa, sienmpre tens tua mirada fixada em tua origem; digamos que nunca se apaga do GPS da memória... e às vezes voltas, e quando voltas, voltas com outras criaturas, outros polluelos voltam a encher o ninho e, ainda que sabes que não são desse ninho, ao menos vão fixando seu outro ponto de referência.
    A visão muda, a perspectiva tambien e os sentimentos e os detalhes e até o tempo torna-se mas curto.
    Un fuerte abrazo, Malka y Hermenegildo

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  2. Pai, sua sensibilidade é incrível! Nós três tivemos muita sorte de nascer num ninho tão cheio de amor. Quando olho para trás, só vejo momentos bons, saudáveis e felizes e muitos desses momentos foram proporcionados por você. Um pai que acorda uma filha dizendo"Filha, acorde que o mundo está em flores para recebê-la" só pode ser especial.

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  3. Pai
    Nosso ninho é muito forte, acolheu 3 águias e nunca, sequer, balançou.
    Realmente, chegou a hora do meu vôo, e graças aos seus ensinamentos continuo buscando novos ares e meu lugar ao sol, sempre levando na minha bagagem, o maior peso de todos: a infinita saudade.
    Te amo
    Patrícia

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  4. Geraldo,

    Um grande abraço! Feliz estou pois estou no momento com o seu livro em minhas mãos.
    Recebi de presente do Lurildo, infelizmente não oferecido a mim por você.
    Dei boas gargalhadas e espero revê-lo pessoalmente para que me contes essa estória de CILPE.

    Um abraço carinhoso, da colega, amiga e admiradora,

    Luci. (CILPE)

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  5. Grande Cilpe
    Quanta saudade! Qantas lembranças de um tempo que se foi encantado no infinito das coisas. Pena não tenha mandado o seu e-mail, para que a minha resposta tivesse um endereçcamento mais intimista. Tenho por aqui uma mala com alguns e-mails de colegas de turma. Gostaria de incluir o seu. Grato pela manifestação e pelas palavras.
    GP

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