Era uma tarde de uma semana qualquer, cuja característica mais importante talvez fosse a de terminar com um feriado na sexta-feira: O Dia de Tiradentes. O herói da Inconfidência. A secretária, então, avisou que eu deveria receber, ai pelas 17 horas, um representante do “Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra”, o MST. Considerei a informação rotineira, isto é, sem maior valia na contabilidade do dia. O cotidiano era assim mesmo. O Reitor tinha viajado e eu estava ocupando a Reitoria, substituindo o titular, como frequentemente acontecia. Mas, parecia um caiporismo danado estar na titularidade, mais uma vez, frente aos fatos mais inusitados possíveis. É isso mesmo! Refletia, então, diante de mais esse impasse ou desse enfrentamento a mais na minha carreira de substituto eventual. Ossos do ofício! Coincidências da vida!
Na hora aprazada chegou o penitente, líder do já aludido “Movimento". Aliás, a bem da verdade, eu tinha feito a abertura de um encontro deles na Universidade e havia pedido de presente um boné característico das invasões que levavam a cabo. Foi difícil conseguir. Tive a impressão que não era habitual alguém como regalo um desses apetrechos do grupo. Menos habitual ainda receber a lembrança. As pessoas, na verdade, corriam léguas dessa evocação e sobretudo desse simbolismo. Terminei ganhando e guardando em casa, como se fora um troféu desses anos diferentes de meu viver. Só que a minha mulher, inadvertidamente, saiu para caminhar, sem que se apercebesse, com o chapéu e no Parque da Jaqueira, no Recife, os olhares que se cruzavam na pista recriminavam a senhora que andava com semelhante boné. Um horror! Só se deu conta quando voltou e foi recriminada pelas filhas.
Mas, recebi o líder do “Movimento de Trabalhadores Rurais sem Terra” (MST), sentado em conjunto de estar no Gabinete, ouvindo, pacientemente, o que desejava expressar. Disse, em alto e bom som: “Vamos invadir a Universidade!”. Fiquei perplexo e quase digo que não, mas seria prudente analisar o fato e o feito, aguardando as demarches. Adiantou que viriam em missão de paz, acampariam na instituição e ocupariam – ai sim! – as dependências do Incra. Marcou dia e hora! No meio da conversa, pedindo desculpas, avisou que seria grosseiro, que diria alguma coisa mais ríspida. Eu fui forte – nem sei como! –, respondendo que ele estava numa universidade, onde se trata com cortesia e com urbanidade. Aprende-se a lidar com o próximo dessa forma. Mais uma vez pediu desculpas e nada mais disse, nem lhe foi perguntado.
O pitoresco da história foi um funcionário da segurança, que tinha uma idéia fixa de que era militar. Convoquei-o, imediatamente, dando-lhe instruções peculiares. Ele foi um suporte importante nas 48 horas que durou a permanência dos integrantes do movimento. Acompanhou o deslocamento do préstito, desde cerca de 10km antes. Fazia de forma bem cuidada. Assim, pelo rádio: “Atento Reitor! Atento Reitor! A marcha está a 10km. Previsão de chegada: 13 horas.”. "Atento Reitor! A marcha está passando sob o viaduto da Ceasa. Previsão de chegada às 14 horas". Isso foi se repetindo até chegarem com um atraso de mais de 2 horas. Contava, também, com o auxilio da policia, que colocara à disposição um oficial e uma guarnição para o acompanhamento. Afinal, apareceram e depois de uma volta de reconhecimento no Campus, sem muita animação e sem algazarra, acamparam no Núcleo. Saíram no dia seguinte, repetiram a volta e foram ao Incra. Tudo em paz.
No fim, no fim, o "Movimento" busca o que nunca se teve no Brasil: a terra. Os latifúndios infestam a paisagem da Zona da Mata em Pernambuco e nada ou quase nada oferecem aos trabalhadores, senão o sofrido salário, sem que possam plantar e criar. Que pena!Mais difícil foi com o chamado "Movimento dos Trabalhadores sem Teto". Mas, isso é outra coisa e há de ser motivo para nova crônica. E foi uma encrenca grossa.












A idéia da crônica nasceu com uma música que ouvi no carro. Cantava Núbia Lafayette, repetindo canções que eram as mesmas de meu tempo na Festa da Mocidade, onde a cantora fazia par com Dalva de Oliveira nos alto-falantes do lugar. Eu ia todas as noites, nos dias de semana e aos sábados e para completar a semana, nos domingos também. Afinal, a movimentação nas alamedas do velho Parque 13 de Maio só começava com as férias de dezembro, início do mês, na primeira quinzena sempre. Ai, já estávamos livres das provas no colégio e pelo geral passados de ano. Uso o plural, porque não ia sozinho, mas acompanhado pela turma toda, pela galera, como se diz hoje em dia, usando o vocabulário da moçada. Entrava com um permanente do tipo família, entregue em mãos de meu pai pelo fato de ser jornalista de batente. Mesmo assim, com um permanente na mão e com essa facilidade toda de ir e de vir no ambiente da Festa, ele combatia no Jornal do Commercio, em sua coluna diária, o teatro rebolado, condenando a sensualidade das vedetes. Danado isso! 


Foi um horror! Ainda maior porque eu tinha me acusado, levantando-me na hora do chamado, denunciando-me, então. Para aquela namorada, parecia que tínhamos em casa apenas um sapato e dividíamos o bem: o meu pai e eu próprio. Sendo – é claro – a prioridade reservada a ele, mais velho e chefe da família.