
Anos e mais anos contados em conversas que foram fiadas na beirada das calçadas! Histórias e estórias, tantas vezes, contadas e recontadas sobre as experiências dos começos, planos de vida nascidos assim, numa roda qualquer! Idas e vindas ao cinema nas noites de domingo, comentários sobre o filme, com enredo ou sem enredo que agradasse. Dramas de amor expostos na tela em roteiros compartilhados, sempre, por adolescentes em flor, jovens que pratearam, agora, os cabelos e vergaram o corpo ao peso do tempo vivido. Jogos de botão em torneios vespertinos, antecipando outros, os de futebol, com o time da rua bem arrumado e bem calçado, perdendo inúmeras vezes, mas sustentando o espírito desportivo o tempo todo. Outros torneios, noturnos esses, de dominó ou de baralho, com a canastra presidindo os interesses nunca pecuniários da meninada. E às dezenove horas, em ponto, o compromisso da novela: “Jerônimo - O Herói do Sertão”. Lúdicos personagens das noites de menino!
Passeios de bicicleta em torno do
quarteirão, voltas e mais voltas, contanto que a aproximação vencesse a
resistência da moça e o namoro pudesse começar ou recomeçar. Sete vezes rompido
e sete vezes renovado, o amor dos inícios perdeu-se nas brumas do tempo ou dissolveu-se,
simplesmente! Outros passeios e outros amores feneceram, também, na idade dos
sonhos e dos devaneios, levando os afetos e impedindo os afagos. De mãos dadas
pelas ruas, escondidos de pai e de mãe, com a cumplicidade dos amigos e das
amigas, cumpria-se o preceito religioso e se pagava os pecados, depois,
visitava-se o centro urbano da cidade, tão diferente dos dias de hoje, pra
assistir um filme qualquer. Na face, certa vez, duas lágrimas rolaram lentas,
diante do encantamento com a poesia e a música: “Por que não páras relógio/Não
me faças padecer/...” E essas rupturas mataram as intimidades, do mesmo jeito!
Ninguém pode mais se encontrar e exercitar os sentimentos, por mais intensos
que tenham sido!
De tudo isso sobraram os retratos,
poucos! Fotografias de uma época tão distante já, de amizades e de proximidades
que não existem mais, de intimidades agora perdidas, completamente, de novos
estranhos restritos aos cumprimentos formais, somente! Encontros casuais, efêmeros,
sobretudo, nos quais a , quase, indiferença do gesto qualifica o momento. E o
observador, que de longe acompanhasse tudo isso, jamais imaginaria os vínculos
do pretérito, laços de tanta fraternidade que se romperam à força dos anos! Ando
pelas ruas do bairro, o mesmo em que morei dantes, sem notar a presença dos
companheiros, dos antigos colegas ou dos velhos amigos. Faço uma retrospectiva
daquelas convivências e sei de alguns encantados, já, no infinito das coisas,
gente que ao pó retornou, cumprindo o desiderato da vida: “E ao pó voltarás!”.
Eis a metamorfose do tudo e a
compreensão do nada!
(*) - Um texto descoberto nos alfarrábios, agora virtuais, em discos e mais discos, vistos e revistos, à cata de outros textos para comporem mais um livro nessa minha trajetória do inteiramente literário. A minha gratidão aos que escreveram e me renderam a solidariedade dos sentimentos, dos pêsames pelo falecimento de minha mãe, de quem hei de me lembrar por anos e anos. O leitor que se agradar da crônica não hesite, comente no espaço mesmo do Blog ou o faça para pereira.gj@gmail.com
Belíssimo texto, caro Geraldo. Quem de nós, simples mortais, não guarda na gaveta dos tempos, lembranças assim, melosas, chorosas, saudosas... Também alegres e presentes em nossas vidas diárias.
ResponderExcluirEssas, que convivem conosco no dia a dia, nos fazem seguir adiante na estrada da vida. Nos dão o alento do encontro e de nos fazermos história no dia a dia das vivências.
Os que ficaram, na gaveta fechada do tempo, nos fazem relembrar que a vida, é um contar de histórias sem fim.
Felizes são, os que têm histórias para lembrarem, sentindo saudades. Sinal de que foram especiais e que, mesmo amarelecidas nas folhas do tempo, nunca se apagarão dos nossos corações.
Felizes somos nós, que aprendemos a amar a vida e tudo o que dela faz parte. Revisitar nossa gaveta de quando em vez, é ter certeza dessa felicidade.
Um abraço e obrigada por nos presentear com tão belo e saudoso texto.
Lígia Beltrão
Lígia
ResponderExcluirSinceramente, o seu comentário me emocionou. Como você escreve bem e expressa bem as suas ideias. Realmente, a gaveta dos tempos, como você mesma diz, guarda lembranças infindáveis; gavetas abarrotadas de recordações d'alma.
Geraldo Pereira
Meu caro Acadêmico Geraldo, sempre uma alegria ler seus escritos. Basta a palavra "retrato" para me remeter ao meu bairro,à minha Rua Arnaldo Bastos, número 90, na Madalena, e me ver "tirando 'retrato'" com uma Kodak, última palavra em máquina fotográfica... Dia desses, fui lá, mas não soube escrever:
ResponderExcluir"Ando pelas ruas do bairro, o mesmo em que morei dantes, sem notar a presença dos companheiros, dos antigos colegas ou dos velhos amigos", infelizmente.
Também, não soube escrever o que minha querida poetisa Lígia Beltrão, escreveu:
Felizes são, os que têm histórias para lembrarem, sentindo saudades. Sinal de que foram especiais e que, mesmo amarelecidas nas folhas do tempo, nunca se apagarão dos nossos corações.
Receba meu abraço fraterno, Silvio Costa, o da UFPE.
Dr. Geraldo, seu belíssimo texto nos faz remexer na caixinha de lembranças no fundo da gaveta e também naquela que está guardada num cantinho especial da nossa memória.
ResponderExcluirUm abraço fraterno.
Lúcia Pedrosa.