segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Peripécias de um médico

Trabalhei como médico em certo sindicato, que reunia empregados de uma categoria qualquer. Não cabe aqui dizer ou esclarecer melhor, para que se preserve a identidade de todos. No começo era uma atividade relativamente boa, porque bem paga, inicialmente, juntava colegas do melhor nível, tanto cientifico quanto social. Sendo assim, praticava-se ali uma medicina de gabarito, tanto é que cheguei a publicar um trabalho mostrando que a resolubilidade era a melhor possível, isto é, os casos eram, em maioria, resolvidos ali mesmo. Dispensavam, então, encaminhamentos!
Mas, o Presidente era uma peça que não merecia consideração, senão aquela que o poder impõe. Vivia tentando seduzir as atendentes e vez ou outra uma delas caia nas garras dele. Mesmo assim, conseguiu deixar umas passagens ótimas em sua gestão, sobretudo em relação aos médicos, com os quais não tinha relações muito amigáveis. Certa vez, sendo eu Diretor do Departamento Médico, fui chamado à Presidência e informado que um colega ortopedista seria demitido, porque usava a camisa aberta e um colar pendente do pescoço. Foi assim:
- Dr. Geraldo! Não aguento mais encontrar o Dr. Antônio no corredor dos médicos, de camisa aberta e com um colar no pescoço. Vou demiti-lo!
- Veja Sr. Solidônio, acho que pode demiti-lo! Mas o senhor vai me ajudar a tirar também o Governador do Estado, porque ele anda do mesmo jeito.
 
E ele calou-se para todo e sempre, pois era um dos maiores bajuladores que o Recife já viu. Pior quando passou e ouviu o barulho das peças de dominó, fruto dos médicos jogando, enquanto mais um cliente chegava. Reclamou o quanto pôde e eu:
- Entenda, Sr. Solidônio, o ruído, com o qual se incomodou tanto, foi justamente para sufocar a discussão que se passava em torno de um caso de perversão sexual.
Isso era uma beleza pra ele. Achava que podia tomar parte num debate desse, apenas imaginário, porque era ele próprio um pervertido. Fez as indagações todas que desejava e eu justificando, respondia que estava preso ao segredo ético.
Mas em outra ocasião, depois de uma eleição, um novo Governador deveria assumir. Coincidentemente, correu um boato forte de que eu seria demitido. Foi fácil tirar isso de circulação. Combinei com um colega, que quando entrasse no elevador me perguntasse se era verdade que seria Secretário de Saúde. Isso foi feito, na presença do besta do Solidônio e de pronto ele me deu os parabéns e passou a me tratar com as honras devidas. Ora, mas o tempo passou e foi nomeado outro médico. Claro, sequer cogitou-se de meu nome. E ele:
- Dr Geraldo! Eu estranhei muito o seu nome não constar na relação do secretariado.
- É, seu Solidônio, terminei sem aceitar o encargo, mas vou ficar na retaguarda orientando o novo Secretário.
Entrou por uma perna de pinto, saiu por uma de pato, senhor rei mando dizer que contasse mais quatro. E eu conto depois!
 
 
(*) Uma crônica que recorda o meu tempo de clínico geral em sindicato do Recife. O leitor que desejar comente no espaço mesmo do Blog ou o faça escrevendo para o e-mail: pereira.gj@gmail.com

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