Chegou
para trabalhar já passava mais de trinta minutos da hora aprazada, a do costume
de todos os dias; mas, enfim, chegara. Naquela noite estava, particularmente,
atarantado, tinha assistido à aula sobre tétano na Faculdade e aquilo o
incomodava terrivelmente: era um hipocondríaco de livro. Soube de sua angústia
e esperei pela chegada do chefe, a quem fui receber à porta do Centro de Saúde
Gouveia de Barros. Contei o ocorrido e pedi que fizesse uma fisionomia de
admiração, indagando-lhe o que havia. Vale a explicação de que a doença
(tétano) provoca um riso especial, considerado nos compêndios de propedêutica
como um “riso sardônico”. Foi assim: “Mas, o que há com você Valdir? Que riso é
este?”. E o grande Valdir, diante de tanto espanto, de tanta surpresa, ficou de
pé, levantou os dois braços e gritou em alto e bom som:“Estou com tétano!”.
Quase enlouquece com as nossas dúvidas.
Era uma
figura comum, igual a todos os outros estudantes de medicina, mas tinha essa
peculiaridade, a hipocondria que o levava ao desespero, bastava estudar uma
doença nova. Dizem que depois de formado, tendo ganho um bom dinheiro pras
bandas do Maranhão, transformou-se em fazendeiro e hoje vive contando as
cabeças de gado nos vários currais de que dispõe. Certa vez, porém, estudando
em casa de um colega, na companhia de outros companheiros do curso, cismou que
tinha engolido um pedaço de vidro da garrafa de coca-cola. A turma, matreira,
como era, quebrou o bocal do recipiente e um deles perguntou alto: “Quem foi
que quebrou a boca da garrafa de coca-cola?”. Só podia ter sido ele: Valdir.
Repetiu, então, o gesto, de pé, com os braços levantados, deu o seu grito de
guerra: “Engoli um pedaço de vidro!”. O grupo não fez por menos, levou o colega
ao pronto socorro e assistiu de camarote o médico fazer radiografia de todo
tipo, contanto que ficasse provado que o bocal não estava em seu estômago.
Os
colegas se reuniam sempre para estudar e numa ocasião qualquer, um deles
decorou parte do texto, enquanto outro apagava a luz. O nosso protagonista, de
imediato, alertou: “Faltou luz!”.Mas o interlocutor que estava lendo o assunto
da noite continuou falando e ainda insistia com Valdir: “Cala boca Valdir!
Acompanha a leitura!”. O homem– pobre homem! -, gritou a plenos pulmões: “Estou
cego!”. Foi uma risadaria geral e a ridicularia tomou conta do lugar. Valdir
quase dá em gente com a raiva da hora.
Era
assim o nosso colega das noites de trabalho no Centro de Saúde. Adoecia com
toda doença que estudava, como se fosse ele mesmo o primeiro cobaia dos males
desse mundo de Deus.
Caro Geraldo:
ResponderExcluirEsses fatos engraçados, quase pitorescos, nos fazem rir e até fazermos brincadeiras sobre. Mas imagine o sofrimento deste pobre homem, achando-se doente, cego... Coitado!
Há pessoas que são assim, sensíveis a todo e qualquer acontecimento e se acham infelizes vítimas das "ocorrências" que sequer ocorrem. Ainda bem que ele mudou a vida indo ser fazendeiro. Tomara que multiplique suas cabeças de gado o tanto quanto multiplicava as doenças. Bela crônica! Obrigada por dividi-la com seus leitores. Um abraço!
Lígia Beltrão - Colunista Divulga Escritor
Meu caro acadêmico Geraldo,
ResponderExcluirCerta feita, ainda jovem, encontrei um amigo na fila do ônibus de Olinda. Ficava ali em frente à casa de discos "Lyra & Queiroz", na Av. Guararapes. Ao tentar uma conversa, ele foi objetivo: "cara, vou embora, tô doente. Dói o corpo todo, estou com febre. Tô lascado!" Botei as costas da mão na sua testa. Estava quente. Depois que tomou o táxi, apressado, veio outro amigo - sabedor da hipocondria de Toinho - e me perguntou com uma cara muito da safada: "que foi que ele te falou?" Depois do relato, ouvi: "foi porque eu disse a ele que tinha a impressão de que ele estava meio pálido". Silvio Costa, o da UFPE.