
Ora, não se pode mais andar no centro urbano, fazer compras na Imperatriz ou passear – simplesmente passear – na velha rua Nova, voltar pela Guararapes e apreciar da ponte o rio passando lento, enchendo ou vazando. Não se pode mais sentar no Quem-me-Quer e admirar o desfile das moças, indo e vindo das compras ou esperando a sessão de cinema no São Luiz. De um lado, o da rua da Aurora, as meninas casadoiras, umas comprometidas já e outras não, livres e desimpedidas, e do outro as que da vida viviam, vendendo o corpo e os amores. Metade cá e metade lá, como o imaginário da rapaziada, fantasiando vontades que eram desejos nem sempre realizados. Um sorvete no Gemba ou um sanduíche na Confiança serviam para encerrar a tarde buliçosa. E haja sonhos!
Os rituais também se foram. Quem se atreve a percorrer a pé as sete igrejas das tradições da Semana Santa, partindo da Matriz da Soledade e chegando à de Santo Antônio, uma por uma, beijando o Senhor Morto. O jeito é fugir de casa, correr para o campo ou se esconder na praia, estirar-se na rede ou sentar-se na espreguiçadeira e ao sabor da cerveja gelada ou do vinho à temperatura ambiente, fazer a opção entre um livro, um clássico da música e uma conversa a ser fiada em alpendre ventilado. Até o Carnaval mudou, o corso acabou e as colombinas estão refugiadas nas grades de todos os medos, a lágrima do pierrô enxugou e não há mais arlequins saltitantes. Um ou outro bloco de rua se atreve em percorrer o centro, na sexta-feira gorda ou no sábado de Zé Pereira. Depois, recolhem-se!
No tempo do São João tornou-se impossível visitar os arrabaldes, passar nos largos e observar as quadrilhas matutas repetindo o dançar ritmado das cortes européias. Muito pior se o penitente saudosista, mesmo de carro, desejar conferir as fogueiras de Santo Amaro e os fogos coloridos que enfeitavam os céus da cidade vindos do Clube Português, onde muitos não podiam entrar, mas podiam ver, das calçadas do Parque Amorim, a beleza espraiada nos ares, dando cor à paz. As antigas carroças puxadas a cavalo, que traziam os noivos em noites assim, não circulam mais antecedendo o préstito e os pares estão desfeitos, separados para todo o sempre, pairam nas nuvens das recordações, como se fossem fantasmas de muitas lembranças. Sequer há retretas em palanquins de subúrbios!
As brincadeiras de meio de rua, o pega e o pega-soltou, o queimado e a academia estão proibidas às crianças. Empinar papagaio e jogar uma pelada são atividades tangidas do imaginário infantil, mais do que ocupado com a Internet e os desenhos da televisão. Ninguém sai de casa para apanhar manga, tirar oiti e recolher cajá ou a azeitona caída do pé! O velocípede circula na sala dos apartamentos e de bicicleta não se vai ao colégio, tampouco a passeio nos entornos da moradia onde estava, recatada e reclusa, a musa da adolescência. As alamedas do parque 13 de Maio vivem um silêncio que assusta os antigos amantes. Nem o senhor bem cuidado, de carro importado, da marca Skoda, com a mão esquerda estirada pra fora da janela, a tirar a aliança da denúncia, teria mais coragem de cortejar a jovem de longos cabelos, lisos e negros!
Sou do tempo do ladrão de galinhas e do batedor de carteiras! Tenho saudades do tudo, das cadeiras no portão e das casas escancaradas, dos retornos em grupo pelas ruas do Recife, de antigos saraus e dos aniversários domésticos, dos assustados e das festas de bairro. Sou assim!
(*) - Comentários também para pereira@elogica.com.br